por Guilherme de Queiroz Stein, Trevor Tisler e Renan Magalhães
Em 14 de dezembro de 2021, o projeto SABio promoveu um Workshop sobre Bioeconomia no Brasil. Os pesquisadores Guilherme de Queiroz Stein e Trevor Tisler organizaram e coordenaram o evento, que contou com 45 participantes de diferentes organizações governamentais, acadêmicas, do setor privado e da sociedade civil, comprometidos com o desenvolvimento de uma bioeconomia sustentável no país. O objetivo do evento foi promover o debate e a troca de experiências sobre o papel para a bioeconomia brasileira de novas regulações que incidem sobre a biodiversidade, a conservação e a restauração da natureza. Além disso, o workshop configurou-se como um espaço de trocas de informações e construção de uma rede entre os participantes, de modo a possibilitar a construção de novos laços de cooperação científica.
No debate entre os convidados, destacou-se a existência de diferentes conceitos de bioeconomia, que orientam distintas estratégias de suporte e regulação dos negócios bioeconômicos. A heterogeneidade conceitual pode trazer dificuldades metodológicas para projetos de pesquisas e para a formulação de políticas, mas não pode ser ignorada, uma vez que é reflexo da complexidade e da heterogeneidade características da própria realidade bioeconômica. Dessa forma, o desenvolvimento conceitual ainda é um fator desafiante, especialmente em face da realidade latino-americana, tão distinta dos contextos europeus e norte-americanos, onde originalmente o conceito de bioeconomia foi criado. Naqueles contextos, recorrentemente, define-se a bioeconomia pelos setores econômicos que abrange e pelos produtos que esses setores desenvolvem, incluindo a agricultura, bioenergia, alimentação, processamento de biomassa, produtos de alto-valor agregado de base biotecnológica, resíduos orgânicos. Mesmo que esses setores também possuam importante participação em nossa economia, as possibilidades de desenvolvimento da bioeconomia no Brasil são mais amplas, especialmente se o foco estiver nos processos, mais do que nos produtos gerados.
Assim, enfatizou-se a necessidade de se desenvolver um conceito de bioeconomia adaptado à realidade brasileira, que coloque os potenciais da biodiversidade do país, de seu imenso capital natural e de sua diversidade sociocultural como elementos centrais. Esses potenciais devem ser traduzidos na construção de novas atividades, setores e indústrias capazes de agregar valor e fomentar dinâmicas endógenas de desenvolvimento, rompendo com o papel dependente de ser apenas um exportador de biomassa e alimentos. Para tanto, é preciso estar atento aos processos pelos quais operam suas dinâmicas econômicas e o quanto contribuem para o desenvolvimento sustentável. A sustentabilidade depende menos do que é produzido e mais dos modelos de negócios adotados, da forma como se estruturam cadeias de valor e da construção de arranjos de governança capazes de garantir preservação ambiental, desenvolvimento social e respeito aos direitos humanos. Nesse sentido, é preciso fomentar uma nova bioeconomia, capaz de valorizar o significativo potencial encontrado no Brasil para o pagamento por serviços ambientais e ecossistêmicos, a industrialização de produtos naturais e a recuperação de pastagens e de outras paisagens degradadas. Além disso, existe espaço para o fomento de agricultura de baixo carbono, de sistemas agroflorestais e de inovações baseadas em bioprospecção, em áreas como biologia molecular, biomimética e usos de micro-organismos para soluções industriais.
Os marcos legais que regulam o desenvolvimento desses setores serão importantes na estruturação de mercados e no estabelecimento de limites à expansão da bioeconomia, dentro de parâmetros que garantam sua sustentabilidade socioambiental. Contudo, por si só, esses marcos não serão suficientes para se alcançar uma trajetória de desenvolvimento sustentável. É preciso o comprometimento dos atores envolvidos em tornar sustentável os processos e os produtos da bioeconomia brasileira, apostando em novos modelos de rentabilização de negócios e geração de bem-estar. Ainda, será fundamental a implementação de políticas com o objetivo de enfrentar gargalos, como o déficit de capacitação profissional em regiões estratégicas, a falta de suporte a novos empreendimentos e a abrupta queda nos recursos públicos destinados ao financiamento de pesquisa científica e inovação.
Ressalta-se que a criação de novos mercados, como aqueles ligados à redução de emissões de carbono e aos serviços ecossistêmicos, só será possível através do cumprimento das leis ambientais e dos compromissos assumidos internacionalmente pelo Brasil. Para tanto, será crucial restabelecer a capacidade de comando e controle do Estado brasileiro, especialmente na área ambiental, tendo por foco alcançar, o mais rápido possível, a meta de zerar o desmatamento em nosso país. A maior dificuldade, provavelmente está no próprio direcionamento político do Estado brasileiro, que atualmente não apenas deixa de priorizar essa meta, mas deliberadamente retira capacidade de atuação dos órgãos responsáveis pela política ambiental e incentiva atividades predatórias, como a mineração na região amazônica.
Tanto as políticas regulatórias, quanto as de promoção ativa da bioeconomia, só conseguirão alcançar a inclusão social se contarem com mecanismos de participação da sociedade civil em sua formulação, execução e monitoramento. A valorização dos ecossistemas nacionais e de sua imensa biodiversidade só poderá ocorrer em diálogo com o conhecimento de povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, segmentos que há séculos acumulam saberes a respeito dos usos e do manejo da biodiversidade. Por sua vez, a condição para esse diálogo é, antes, garantir os direitos desses povos e comunidades aos seus territórios e a sua integridade física, ou seja, garantir o respeito aos direitos humanos básicos. Essa condição só pode ser atendida sob um Estado democrático de direito, de modo que, a defesa da democracia torna-se fator fundamental para a promoção de uma nova bioeconomia, que de fato promova o desenvolvimento sustentável.
Abaixo, disponibilizamos os links compartilhados pelos participantes do workshop. Neles, é possível encontrar publicações científicas sobre a bioeconomia no Brasil e no mundo, bem como sites de projetos e grupos de pesquisa brasileiros que atuam na área.
Links
A sustainable bioeconomy for Europe: https://knowledge4policy.ec.europa.eu/publication/sustainable-bioeconomy-europe-strengthening-connection-between-economy-society_en
Bioeconomia da Sociobiodiversidade no estado do Pará: https://www.tnc.org.br/content/dam/tnc/nature/en/documents/brasil/projeto_amazonia_bioeconomia.pdf
Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura: https://www.coalizaobr.com.br/home/index.php/o-que-propomos/posicionamentos-coalizao/2206-forca-tarefa-de-bioeconomia-da-coalizao-define-posicao-e-propostas-de-acoes-sobre-o-tema
Diálogo Florestal: https://dialogoflorestal.org.br/foruns-regionais/forum-florestal-da-amazonia/
Financing mechanisms to bridge the resource gap to conserve biodiversity and ecosystem services in Brazil: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2212041621000796
Fórum Florestal da Amazônia – Plano Estratégico: https://dialogoflorestal.org.br/wp-content/uploads/2021/07/ff-amazonia-planejamento-estrategico.pdf
Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (GEMA) – UFRJ: www.ie.ufrj.br/gema
Grupo de Pesquisa SABio: https://sabio-project.org/pt/portugues/
Portal de Bioeconomia: https://portaldebioeconomia.com/
Science Panel for the Amazon – Amazon Assessment Report 2021: https://www.theamazonwewant.org/wp-content/uploads/2021/11/211112-Amazon-Assessment-Report-2021-Part-III-reduced.pdf
Onde Estamos na Implementação do Código Florestal? Radiografia do CAR e do PRA nos Estados Brasileiros – Edição 2020: https://www.climatepolicyinitiative.org/pt-br/publication/onde-estamos-na-implementacao-do-codigo-florestal-radiografia-do-car-e-do-pra-nos-estados-brasileiros/
Lei nº 13.123/2015 (Acesso ao Patrimônio Genético e Conhecimento Tradicional Associado): http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13123.htm
Decreto nº 8.772/2016 (regulamenta Lei nº 13.123/2015): http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8772.htm
Decreto nº 10.844/2021 (altera Decreto nº 8.772/2016): http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Decreto/D10844.htm